quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mito Poético

Com Vénus banhei o meu corpo escaldante
Da Fonte Cástila bebo lentamente
Enquanto Minerva declinadamente
Escreve os meus versos em teia gotejante.

Calíope me eleva em grande aparato,
Apolo me canta em odes extremas
E as Graças formosas me cobrem serenas
De mosto enleante das vinhas de Baco.

Os homens não vêem as rimas que eu crio.
São penas terrenas o meu atavio.
Rejubilarei então  num rasgo final:

Que Morfeu persista! Que Erebo não suma!
Que os deuses me envolvam em lençol de espuma
Para que não reparem que eu sou Mortal!

                                                                                Eugénia Edviges
Segundo a Mitologia Grega:

Vénus - deusa da beleza, nascida da espuma do mar;
Fonte Cástila - situada no Monte Parnaso. Quem dela bebesse tornar-se-ía poeta;
Minerva - deusa das artes, da ciência;
Calíope - deusa da eloquência;
Apolo - deus da música, protetor das artes;
Morfeu - deus do sono;
Erebo - deus da escuridão, da noite;
Baco - deus do vinho;
Graças - deusas dançarinas do Olimpo.


                     "As Três Graças" (1639) - um dos últimos trabalhos de Rubens.
                     

Um abraço e votos de um ano de 2012 com muita poesia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Massacre dos Inocentes


Naquela noite em que as estrelas brilharam mais,
Em que anjos celestiais
Anunciaram que Jesus,
O salvador dos homens, tinha rasgado a luz,
Muitos gritos inocentes ecoaram pelo deserto
Exalando o último alento às mãos de um tirano.

Naquela noite em que três magos de reinos distantes
Se prostraram frente ao Menino,
Em adoração
E a seus pés depositaram ouro, incenso e mirra,
Muitos gritos de mães se ouviram no deserto
Segurando nos braços os filhos agonizantes

                                                                              Eugénia Edviges

 
 "O Massacre dos Inocentes" óleo sobre madeira de RUBENS.




Um abraço.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dois Poemas de Natal/ Miguel Torga e David Mourão - Ferreira

História Antiga

 Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga








 Natal e Não Dezembro




Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.


Entremos, dois a dois : somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.


David Mourão-Ferreira


Um abraço e desejos de Bom Natal

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Poema

O mar-amante tomou-me
E nos meus cabelos ficaram
Cascatas de rimas.
Não notam?
Sou ave diáfana.
Sou ave planando
Entre folhas de um livro
Só meu.
Só meu porque ninguém o lerá.
Mas grito: Vejam, concebi!
Estou prenhe de versos!
...E o sonho surge atrofiado
Ante a multidão despercebida.

                                              Eugénia Edviges



Um grande abraço.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Problema

Pi será igual a tal...
Raíz quadrada de mil...
Protões, neutrões, electrões!
Tudo faz embaraçar!
E o coração a bater
E o coração a falar.

Je serais e tu seras...
Impulsão, átomo, força...
- Menina, responda lá:
O que entende por fenómeno?
("Seus beijos parecem brasas,
seus braços parecem asas...")
- Fenómeno!?...Talvez o sinta...
E o coração a bater
e o coração a gritar.

- No Presente e no Futuro
Conjuguem o verbo ter.
("Conjugar o verbo amar
Sei de cor e salteado")
E o coração a explicar
e o coração a sofrer

Títulos de crédito, Diário...
- Façam agora o Balanço!
("Ai, esses olhos que me embalam,
essas mãos que me afagam...")
- Balanço!? Como se faz?...
  ("Ai, que amor de rapaz...!)
Conta, Letras a Pagar...
E o coração a bater
E o coração a vibrar.

Hidrogénio, atmosfera,
Gôtas de ar, respiração.
("Nas nuvens já eu estou")
- Menina, preste atenção!
E o coração encantado
Por alguém que o encantou!

                                                     Eugénia Edviges



Um abraço apertado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

As Badaladas


Mote
Canta a Torre as badaladas
E eu sei bem porque razão
Quando batem as malvadas
Vibram no meu coração

Glosas
Este Largo tem encantos
Que não cabem nos meus versos
Vazios, nus e dispersos.
Nem nas palavras pelo vento
Segredadas
Quando as horas se anunciam e
Canta a Torre as badaladas.

É toque que acarinha
De modo doce e fremente
O peito da minha gente.
Que alimenta o seu sorriso
Como pão,
Que faz seu rosto brilhar…
E eu sei bem porque razão.

Há vida no seu cantar:
Os olhares furtivos do tardar
A conversa que ficou por acabar.
Vivências de outros tempos
Lembradas
E os amores são fugazes
Quando batem as malvadas.

Sentimentos indistintos…
Quero em poemas dizer
A força que nos dá o seu bater
Em rimas que ultrapassem
A razão.
Mostrar como as badaladas
Vibram no meu coração.

                                                      Eugénia Edviges




 Um grande abraço

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dois poemas pequeninos


PASSAGEM


Flores de papel

Nos cabelos.
Voando em concha
Na corda presa.
Menina ainda...
Sem tempo
Para saber
Que os sonhos
Viriam a ser
Sonhos de papel...!



        

         LUTA

Queria esquecer

Quem fui,

Anseios e brincadeiras

De criança,

Sem o ser.

Queria esquecer

Desejos,

Sentimentos de ternura

Nessa criança-mulher.

Queria esquecer

Tristezas

 E as voltas

Que a vida deu,

Queria esquecer

Canções,

Lamentos da minha alma

Que não chegaram ao céu.





Mas não foi sonho

Ser criança

Pois acordo e por castigo,

O tempo antigo

Vem à lembrança...

E é verdade

O que senti,

Pois com cálice de vento

Traguei o tempo

Mas não esqueci!

                           Eugénia Edviges

Um abração

domingo, 2 de outubro de 2011

RÚSTICA de Florbela Espanca

Eu q`ria ser camponesa
Ir esperar-te à tardinha
Quando é doce a natureza
No silêncio da devesa,
E só voltar à noitinha...

Levar o Cântaro à fonte,
Deixá-lo devagarinho,
E correndo pela ponte
Que fica detrás do monte
Ir encontrar-te sozinho...

E depois quando o luar
Andasse pelas estradas,
D`olhos cheios do teu olhar
Eu voltaria a sonhar,
Plos caminhos de mãos dadas.

E depois se toda a gente
Perguntasse: "Que encarnada,
Rapariga! Estás doente?"
Eu diria: "É do poente,
Que assim me faz encarnada!"

E fitando ao longe a ponte,
Com meu olhar cheio do teu,
Diria a sorrir p`ró monte:                                          
"O cant`ro ficou na fonte
Mas os beijos trouxe-os eu..."


Poema do livro "Versos, Pedaços de Sorriso"
Ilustração de Duhamel



Um forte abraço!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Aquela Infância

Menina fui, de rendas e atavios
Onde embrenhava meus versos descontentes
gemidos breves, rimas escondidas
Nas dobras dos vestidos trnsparentes.

Menina fui no pensar e no agir,
Infância desigual e desditosa;
Quadras sem jeito feitas no regaço
E nos livros escolares searas de prosa

Menina fui testemunha atenta
de atritos, de revolta conjugal...
Nos cadernos confidentes quadras violadas
Pela água dos meus olhos, em caudal...!

Menina fui, rebelde e solitária.
Solidão que me envolveu e me formou,
Que fez dos meus versos saídos do peito
Farrapos da vida, que o tempo guardou!

                                                                  Eugénia Edviges



















Um grande abração!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

As Margens

Não quero chorar.
Não quero pensar.
Só quero sentir
Este rio com margens
Que não o comprimem;
Que o acarinham,
Que o engrandecem
De almas, a arte.
Sentir o corcunda
Fantasma
Que espreita
Rostos de culto,
Não devotos.
Sentir esta Torre
Envolvente,
Sempre presente.
Este ser e estar
Dependente.
Estas ruas sem fim,
Subjugadas a
Pináculos de catedrais!
…E esta chuva que cai
É delírio
Que provoca agitação
No silêncio...
Não quero chorar.
Não quero pensar.
E pelo que sou
Não quero ter pena.
Só quero sentir a cidade.
Só quero sentir
As margens do Sena.

Eugénia Edviges





Um abraço grandioso

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Largo da Câmara


Um poema ao Largo da "minha" Câmara, ponto de encontro durante 32 anos da minha vida.





Já se vê no Largo a rapaziada
Alegre e barulhenta, esperando as duas,
Como o riso é lema de conversa fiada
As graças com barbas, apelidam de suas.

Estudantes vistosas esperam a hora
De algum autocarro que as há-de levar
E os jovens da Câmara logo, sem demora,
Proferem palavras que as fazem corar.

Além um casal que quer imitar
O love platónico das fitas sem história
E um velho, sentado, de olhos no par
Revolve as entranhas da sua memória.

No café da esquina a bica já espreita.
Há risos sonoros, gracejos reditos,
Um olhar furtivo ao pulso se deita
Enquanto se contam mais uns mexericos.

E soam as duas na Torre imponente
Qual canto suave, querendo acordar
A gente no Largo, a calma aparente,
O rumor da tarde que vai começar.

                                          Eugénia Edviges

Um abraço de amizade a todos os meus colegas camarários. 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Júlio Dinis - Trigueira

Poema retirado do livro "As Pupilas do Senhor Reitor"

Trigueira! Que tem? Mais feia
Com essa cor te imaginas?
Com um só olhar dos teus!
Que ciumes tens da alvura
Desses semblantes de neve!
Ai, pobre cabeça leve!
Que te não castigue Deus!

Trigueira! Se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
Dessa ardilosa maneira
Porque tu o sabes ser,
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa
Tendo inveja à cor da rosa
Sem motivos para a ter.

Trigueira! Porque és trigueira
É que eu assim te quis tanto
Daí provém todo o encanto
Em que me traz este amor.
E suspiras e murmuras!
Que mais desejavas inda
Pois serias tu mais linda
Se tivesses outra cor?

Trigueira! Onde mais realça
O brilhar duns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos,
Do que numa cor assim?
Onde o correr duma lágrima
Mais encantos apresenta
E um sorriso, um só nos tenta,
Como me tentou a mim.

Trigueira! E choras por isso?
Choras, quando outras te invejam
Essa cor, e em vão forcejam
Por como tu fascinar?
Ó louca, nunca mais digas,
Nunca mais, que és desditosa.
Invejar a cor da rosa
Em ti, é quase pecar.

Trigueira! Vamos esconde-me
Esse choro de criança.
Ai, que falta de confiança!
Que graciosa timidez!
Enxuga os bonitos olhos,
Então, não chores, trigueira,
E nunca dessa maneira
Te lamentes outra vez!



Um abraço

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Casimiro de Abreu - A Valsa

Poeta brasileiro da segunda geração romântica. Era filho de um fazendeiro português a residir no Brasil. Nasceu em Fazenda de Prata (Capivary) em 1839 e morreu em 1860 com tuberculose.
Em 1853 embarcou para Portugal onde esteve em contacto com o meio intelectual e escreveu nessa altura a maior parte da sua obra.
Em Lisboa foi apresentada a sua peça de teatro "Camões" em 1856.









A VALSA


(extracto)


Tu, ontem
na dança
que cansa
voavas
com as faces
em rosas
formosas
de vivo
carmim;
na valsa
tão falsa
corrias
fugias
ardente
contente
tranquila
serena
sem pena
de mim!


Quem dera
que sintas
as dores
de amores
que louco
senti!
quem dera
que sintas!
não negues
não mintas
eu vi!


Valsavas:
teus belos
cabelos
já soltos
revoltos
saltavam
voavam
brincavam
no colo
que é meu;
e os olhos
escuros
tão puros
os olhos
perjuros
volvias
tremias
para outro
não eu!


Quem dera
que sintas
as dores
de amores
que louco
senti!
Não negues
não mintas
eu vi!



Um abraço!




sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Rio da Minha Terra

Sereno passas
Ó Rio da minha terra.
Pelo vento afagado,
Por freixos beijado.
Ao longe há casais,
A terra é doirada...
Seara-lamento
No meu pensamento...
As aves já cantam
No verde viçoso
E poetas exploram
As Musas que acordam.
O Largo é eterno,
O Jardim segreda
Murmúrios nocturnos
De beijos fecundos.

E como te vê
A seus pés passar
A Cruz do Calvário
Parece gritar!

                                             Eugénia Edviges
                                                      

Um abraço!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Quadras à Minha Terra



Canta a Torre as badaladas
E eu não sei qual a razão
Porque ao passar, as malvadas
Vibram no meu coração

Passa o Sorraia, anoitece
O Largo brilha ao luar
Olho o Calvário e parece
Que a cruz está a gritar.

Cubro o Parque de encantos
Nas noites que sei rimar
E penteio os seus recantos
Com um pente de luar.

A gente da minha terra
É cheia de devoção
Lamentos que o peito encerra
Em dia de procissão.

Por muito que entristeça
E o peito chore de dor
Foi este povo, com certeza
Que limou o meu valor

A minha terra é a margem
Desse Sorraia a correr
Choro a ver esta paisagem
Que um dia me viu nascer

                           Eugénia Edviges

Um abraço!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nova Obra de Domingos Lobo



Mais um livro de poesia de Domingos Lobo editado em Julho de 2011 pela Fonte da Palavra.


do tédio


olhos nos olhos revivo
a idade e a amargura
os meus dedos são o crivo
da lucidez da loucura

mais dentro da pele nos ossos
mais perto do sangue à pele
dentro da pele os destroços
de um corpo que me repele

ossos que vão à compita
de um corpo já sem remédio
dentro dos lábios contrita

a palavra é o pulmão
oxigénio do tédio
a dar corda ao coração


Bonito! A não perder!


Um abraço!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Dia dos Avós 2011

Hoje comemora-se o Dia dos Avós. Não posso deixar de prestar homenagem a uma avó que já não está entre nós:

LACUNA


Fazes-me falta
Quando em dias de tristeza
Penso em ti;
Quando a solidão é pesada,
Quando a vida
Não é nada.
Fazes-me falta
Quando o sonho
Começa a ser impossível,
Quando cada minuto
É um gume
Que me corta
E desilude.
Faz-me falta
A tua calma e confiança,
A tua voz que minava
Esta revolta entranhada...


Hoje, resta-me recordar
Pois nem ervas daninhas nascem
Nessa pedra tumular!



E para não ser tão triste acedam ao meu outro blogue: http://www.naruadopinheiro.blogspot.com/



Um grande abraço!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Poema Erótico

 Poema Erótico de Drummond de Andrade




Satânico é meu pensamento a teu respeito, 
e ardente é o meu desejo
de apertar-te em minha mão, numa sede de
vingança incontestável pelo que me fizeste ontem.
A noite era quente e calma e eu estava em minha
cama, quando,
sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu
corpo sem roupa no
meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo
minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim
e mordeste-me sem escrúpulos. Até nos
mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia
ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol
provas irrefutáveis do  que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo,
para na mesma cama te esperar. Quando
chegares, quero te agarrar com avidez e  força.
Quero-te apertar com todas as forças de minhas mãos.
Só descansarei quando vir sair o sangue
quente do teu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, mosquito
Filho da Puta! 


Um abraço 

terça-feira, 5 de julho de 2011

O Adeus

Hoje
Que me vou embora
O Largo ressuscita
De batas pretas.
Há fitas coloridas
Entre livros geniais.

Hoje
O Rio galgou o leito.
As ondas batem nas margens
Em turbilhão, violentas.
As árvores entregam-se
Ao desejo do vento
Que sopra assustador.

Hoje
Há ruídos espalhados
Pelas ruas tortuosas
Pelos becos e ladeiras.
E as pessoas, apressadas,
Acotovelam-se.

Hoje
No Penedo há raiva
E os murmúrios são gritos!

Hoje
Que me vou embora
A cidade transformou-se...
....Aos meus olhos!

                                  Eugénia Edviges

Um abraço.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poemas de José Saramago

Aprendamos o Rito


Põe na mesa a toalha adamascada,
Traz as rosas mais frescas do jardim,
Deita o vinho no copo, corta o pão,
Com a faca de prata e de marfim.

Alguém se veio sentar à tua mesa,
Alguém a quem não vês, mas que pressentes.
Cruza as mãos no regaço, não perguntes:
Nas perguntas que fazes é que mentes.

Prova depois o vinho, come o pão,
Rasga a palma da mão no caule agudo,
Leva as rosas à fronte, cobre os olhos,
Cumpriste o ritual e sabes tudo.



Signo do Escorpião

Para ti, saberás, não há descanso,
A paz não é contigo nem fortuna:
O signo assim ordena.
Pagam-te os astros bem por essa guerra:
Por mais curta que a vida for contada,
Não a terás pequena.



Intimidade

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búxio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que do corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.


Do livro "Poemas Possíveis"


Um abraço saramaguiano

quinta-feira, 23 de junho de 2011

As Árvores da Minha Rua

As árvores da minha rua
Gritam
Quando a serra as transforma
Em corpo amputado;
Quando as deixa sem vida
E sem sombras de afago

As árvores da minha rua
Gritam
Quando alguém sem carinho
Golpeia os seus ramos
E num repelão
Os atira ao pó do caminho

As árvores da minha rua
Já não podem gritar
Já não oram ao céu.
E naquela praceta
O trinado dos melros
Emudeceu.

                         Eugénia Edviges



Com um abraço de tristeza.

domingo, 19 de junho de 2011

FANTASMA

A vida findou.
À cova desci.                                              
No cimo,
Murmúrios...
Lamento…           
Meus versos ficaram
Ao sabor do vento.
Ó vento que passas
Semeia os meus versos
No céu, no deserto,
No mar sem ter fim.
Que os homens os cantem,
Que sejam gritados,
Que falem de mim!
Meus versos são rios,
São bolas de neve,
São estrelas cadentes
Do céu a brotar.
Ó nuvens imploro!
Deponham meus versos
Nas águas do mar!
Que o mar os engula,
Que as ondas os escrevam
Na areia doirada.
Que sejam louvados,
Em coros cantados
Na luz prateada!
Ó sol que alumias
Sementes fecundas
Dá vida aos meus versos!
Que cresçam dispersos
Em terras imundas!
Que sejam gerados em sonhos
Em fados, em palavras de amor.
Que vibrem em lábios
De deuses,
De amantes,
De algum trovador!

Fantasma sou eu
Dos meus versos, grilhão…
Sou palavra viva, sou alma,
Sou assombração! 
  
                                            Eugénia Edviges

Um grande abraço 


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dois Poemas de Pablo Neruda

dois poemas de Pablo Neruda do livro "Cem Poemas de Amor" editado pela Campo das Letras




Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Quero-te apenas porque a ti eu quero
A ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.

Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história apenas eu morro
e morrerrei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.








Tenho fome da tua boca, da tua voz,  do teu cabelo,
e ando pelas ruas sem comer, calado,
não me sustenta o pão, a aurora me desconcerta,
busco no dia o som líquido dos teus pés.

Estou faminto do teu riso saltitante,
das tuas mãos cor de furioso celeiro,
tenho fome da pálida pedra das tuas unhas,
quero comer a tua pele como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado na tua formosura,
o nariz soberano do rosto altivo,
quero comer a sombra fugaz das tuas pestanas

e faminto venho e vou farejando o crepúsculo
à tua procura, procurando o teu coração ardente
como um puma na solidão de Quitratúe. *




* Quitratúe : é um lugar povoado da região de Araucanía, no Chile.





Um grande abraço

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Um Poema de Sofia

Do livro "Obra Poética I", Editorial Caminho




AS ROSAS


Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.




Um abraço forte como as palavras

DIAS-NÃO

 

No apogeu da vida,

Paradoxalmente,
Caímos no abismo de incertezas.
E como autómatos
Fingimos agarrar
Aquilo que outrora
Vislumbrámos com indiferença.
No apogeu da vida
Tudo o que nos prometem
Vai acontecer,
Porque já não temos muito tempo
Para deixar de acreditar.
No apogeu da vida
Os sonhos deixam de ter importância,
E desmoronam-se
Como se desmorona
Um castelo de cartas
Por não ter utilidade.
No apogeu da vida
Pensamos...Pensamos...
E ficamos com a certeza
Que só a escuridão
Nos poderá libertar do nada.


                                 Eugénia Edviges

Um abraço pensativo

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Leonard Cohen


Leonard Cohen ganhou o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras, prémio dedicado a personalidades no âmbito da literatura ou da línguistica , cuja obra represente uma contribuição relevante para a cultura universal. Leonard é o poeta das canções, romancista e músico. escreveu sobre a perseguição dos judeus durante a segunda guerra mundial e sobre o amor e desventuras românticas como podemos apreciar nos temas Suzanne e Chelsea Hotel.  Publicou o seu primeiro livro de poemas em 1956 Let us Compare Mythologies, seguindo-se o romance O Jogo Favorito em 1963 e a colecção de poesia Flowers for Hitler a par com a sua produção musical.

Em 2008 deu dois espetáculos em Portugal, voltando em 2010, espetáculo a que eu tive o enorme prazer de assistir porque Leonard Cohen é um dos meus músicos favoritos.





A digressão que fez entre 2008 e 2010 está registada neste álbum que é um pequeno tesouro: "Songs from the Road



Eis o livro da autoria de Marc Hendrickx, editado em Portugal por Guerra e Paz, Editores. "Muito longe de ser uma biografia, aqui o autor procura, através de um registo imtimista, as respostas para questões sobre o Homem, a felicidade, a tomada de consciência, a fé, o objetivo de vida, o amor, a velhice e a morte." (nota da editora)



Os Prémios Príncipe das Astúrias foram fundados em 1981 e contemplam as áreas da Comunicação e Humanidades, Ciências Sociais, Artes, Letras, Investigação Científica e Técnica, Cooperação Internacional, Concórdia e Desportos. São entregue no mês de Outubro em cerimónia solene conduzida pelo Príncipe das Astúrias, em Oviedo, capital do Principado das Astúrias.


Apreciem a letra, a música e a voz deste grande autor na canção Everybody Knows:
http://youtu.be/wh9AC0jCGjY


Um grande abraço

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Viver Ontem

Foi na minha rua de infância que eu brinquei. Foi lá, quando a manta da noite nos tapava, que eu e todas as outras crianças amigas jogávamos à bola, fazíamos corridas para ver quem chegava primeiro ao Largo do Calvário, brincávamos às escondidas e... fazíamos patifarias, como tocar às campainhas das portas. Era um nunca acabar de brincadeiras pela noite fora. E nem as ameaças das avós ou os ralhos das mães nos faziam arredar pé em direção à cama. Só nos íamos deitar quando o cansaço tomava conta de nós, as sombras da noite começavam a ficar tenebrosas ou algum, já sem forças para continuar, dormitava em qualquer degrau de uma porta. E a minha rua tem um nome lindo: Rua do Pinheiro! Sim, a minha rua merece um prémio: um poema escrito pela minha mão.

        


        VIVER ONTEM
       
       

        Hoje estaquei.
E fui ver aquela rua
Onde brinquei quando vivi.
Quando as noites eram crianças
Que se juntavam a nós.
E as avós,
Mãos cruzadas nos regaços,
Olhavam com abraços
De ternura.
E diziam:
- Horas de deitar!
- Olhem os “homens do sangue”
E por momentos
Crescia a cruz do Calvário
Entre os clarões do luar...
Mas os nossos corações
Cabiam na rua inteira.
E vá de roda que é cedo,
Vá de cantar que as canções
Afugentam os malvados!
Era o jogo do Anel,
Da Semana, ao Pau
Queimado, e com ardor
Procurava-se a mão
Do nosso primeiro amor...!
E os sonhos eram certezas.
Promessas deste futuro
Que se romperam no tempo
Dos bibes e dos calções...

 E à esquina deserta murmuro:

Oxalá quando eu chegar
Ao limite desta vida
Haja alguém que me embale
E me cante uma cantiga...

                                                 Eugénia Edviges



Um grande abraço do tamanho da minha rua
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