quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mito Poético

Com Vénus banhei o meu corpo escaldante
Da Fonte Cástila bebo lentamente
Enquanto Minerva declinadamente
Escreve os meus versos em teia gotejante.

Calíope me eleva em grande aparato,
Apolo me canta em odes extremas
E as Graças formosas me cobrem serenas
De mosto enleante das vinhas de Baco.

Os homens não vêem as rimas que eu crio.
São penas terrenas o meu atavio.
Rejubilarei então  num rasgo final:

Que Morfeu persista! Que Erebo não suma!
Que os deuses me envolvam em lençol de espuma
Para que não reparem que eu sou Mortal!

                                                                                Eugénia Edviges
Segundo a Mitologia Grega:

Vénus - deusa da beleza, nascida da espuma do mar;
Fonte Cástila - situada no Monte Parnaso. Quem dela bebesse tornar-se-ía poeta;
Minerva - deusa das artes, da ciência;
Calíope - deusa da eloquência;
Apolo - deus da música, protetor das artes;
Morfeu - deus do sono;
Erebo - deus da escuridão, da noite;
Baco - deus do vinho;
Graças - deusas dançarinas do Olimpo.


                     "As Três Graças" (1639) - um dos últimos trabalhos de Rubens.
                     

Um abraço e votos de um ano de 2012 com muita poesia.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Massacre dos Inocentes


Naquela noite em que as estrelas brilharam mais,
Em que anjos celestiais
Anunciaram que Jesus,
O salvador dos homens, tinha rasgado a luz,
Muitos gritos inocentes ecoaram pelo deserto
Exalando o último alento às mãos de um tirano.

Naquela noite em que três magos de reinos distantes
Se prostraram frente ao Menino,
Em adoração
E a seus pés depositaram ouro, incenso e mirra,
Muitos gritos de mães se ouviram no deserto
Segurando nos braços os filhos agonizantes

                                                                              Eugénia Edviges

 
 "O Massacre dos Inocentes" óleo sobre madeira de RUBENS.




Um abraço.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dois Poemas de Natal/ Miguel Torga e David Mourão - Ferreira

História Antiga

 Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga








 Natal e Não Dezembro




Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.


Entremos, dois a dois : somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.


David Mourão-Ferreira


Um abraço e desejos de Bom Natal
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