quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Ladainha dos Póstumos Natais - David Mourão-Ferreira



Poema do livro "Cancioneiro de Natal"






Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo.


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido.

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do infinito.


UM ABRAÇO.


terça-feira, 17 de julho de 2012

As Letras que Eles Cantam - Versos de Amor




Às onze e meia, sai para a rua,
Com o seu fato domingueiro,
Dormindo a aldeia, brilhando a lua,
Num céu de estrelas, conselheiro
Coração quente, timidamente,
À sua porta então chamou
E abriu-se a janela e só para ela,
Triste, cantou...

Versos de amor,
Lindos esses versos de amor
Que fizera em segredo,
A sonhar, quase a medo,
Um viver tentador.
A sua vida por uns versos de amor,
Lindos esses versos de amor
Na mais terna amargura,
O silêncio murmura uma história de amor

A noite imensa, foi mais rainha,
Quando uma lágrima caiu,
Na recompensa, o amor que tinha,
Ela também chorou, sorriu
Foi tão bonito, tinham-lhe dito,
Que amar ás vezes faz doer,
Mas a dor que sentia,
Não lhe doía, dava prazer...

Versos de amor,
Lindos esses versos de amor
Que fizera em segredo,
A sonhar, quase a medo,
Um viver tentador.
A sua vida por uns versos de amor,
Lindos esses versos de amor
Na mais terna amargura,
O silêncio murmura uma história de amor
Na mais terna amargura,
O silêncio murmura uma história de amor.


Um abraço.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Tu Eras






Tu eras
A minha força,
O meu devaneio, o meu lugar,
O meu cais de choro e riso.
Para o meu inferno
Buscava o teu paraíso.

Tu eras
O meu conforto,
O meu amparo de cetim,
O meu rio de águas claras.
Para esta revolta
Buscava as tuas palavras.

Disse-te adeus e voltei.
Sobre o ombro
Atiro um último olhar
Sem sentido.
Sinto-me nua
Porque tudo o que levei
Ficou contigo.


Eugénia Edviges


Um abraço

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Olhar o Meu Rio




De olhar enternecido
Debruço-me na ponte
Do meu rio.
O vento traz-me ao ouvido
Cantares de outras vozes,
Do pulsar de outros corações.
Margens de aluvião
Que dão sustento
A este povo curvado
Sobre a terra, sobre o pão.
Lembrança que faz sentir
Amores e desenganos
De outros corpos envolvidos    
Nas árvores do seu encanto;
De outras mãos que lavavam
As vestes do seu penar;
De outros sonhos por cumprir.
Corre tranquilo para o Tejo
E os dois, abraçados,
Serão anulados pelo mar.
Aqui estou sem decidir
A rima que hei-de escrever
Para o enaltecer.
Ao meu rio
Não sei que nome lhe dar…


Eugénia Edviges




Um abraço

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Palavras das Nossas Poetisas


Esta vista de mar, solitariamente,
doi-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
A arte da natureza pede
o amor em dois olhares.

Fiama Hasse Pais Brandão, Do Amor-IV






Cortaram os trigos. Agora
a minha solidão vê-se melhor.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Soror Mariana - Beja






Hoje, a saudade de ti: punhalada
de tinta muito branca,
o cheiro do que é novo, o cheiro da
doença a alastrar.

Ana Luisa Amaral, As Correcções do Amor






Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui....além....
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Florbela Espanca, Amar




Um Abraço

Palavras Dos Nossos Poetas





Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura.

Mário Cesariny, Poema


Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Miguel Torga, Livro de Horas



A poesia não vai à missa,
Não obedece ao sino da paróquia,
prefere atiçar os cães
às pernas de deus e dos cobradores
de impostos.

Eugénio de Andrade, A Poesia Não Vai






O amor não é uma saga cruel:
vejo-a a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado. é bom assim.

Vasco Graça Moura, O Melro de visita






Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O`Neill, Um Adeus Português






Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Manuel Alegre, Trova do Vento Que Passa




Um abraço

sexta-feira, 20 de abril de 2012



               PRELÚDIO

Era um dia triste e feio daquele mês,
Era um dia sem ter luz, acinzentado,
Como um sonho, aos poucos, inacessível,
Como a alma de um povo amedrontado.

- Onde estão os cravos deste Jardim?
Perguntam sem saber qual a razão
Por que o peito português batia tanto,
Por que exultava, confiante, o coração.

O orvalho da manhã trazia esperança,
Amputara-se a chaga pela raiz
E as vozes oprimidas, murmuravam:
- Onde estão os cravos deste País?

E a Festa do meu povo começou
E até o céu parecia azul-anil,
Porque algo grandioso acontecera
Com os cravos cor de sangue, cor de Abril!

                                                 Eugénia Edviges

Um abraço revolucionário.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Comunhão




Ouve o rumor
Das almas perdidas.
Repousa nas sombras
Dos cantos solitários.
Embala o sexo desejado
Em corpos suados de amor.
Ouve o sussurro
Das folhas de Outono,
Escuta o murmúrio da água
Que corre para o mar
E se agiganta.
Sente a frescura dos plátanos,
Perde o olhar na certeza das serras,
Nos gestos das florestas.
Rejubila.
Sobrevive.

                                                  


 Eugénia Edviges



Um abraço

quarta-feira, 21 de março de 2012

Dia Mundial da Poesia 2012

Hoje celebra-se o Dia Mundial da Poesia. Não podia deixar passar este dia sem publicar no blogue poemas do maior poeta de língua portuguesa do século XX - Fernando Pessoa

Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.


O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!


Um grande abraço poético.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Luis de Camões- Esparsa ao Desconcerto do Mundo

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?




Esparsa ao Desconcerto do Mundo

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado.

Um abraço


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